Teoria da imprevisão e a revisão contratual
-INTRODUÇÃO-
O mundo vive hoje o seu momento de maior instabilidade econômica desde a crise de 1929. No cenário econômico globalizado no qual vivemos hoje,uma crise em qualquer país desenvolvido acarreta problemas nos demais mercados .É isto que está acontecendo, com a crise originada nos Estados Unidos pelo colapso no mercado imobiliário e que está levando grandes instituições financeiras à falência.
O grande problema é que esse passo em falso ocorrido lá na terra do Tio Sam, vai refletir de maneira direta ou indireta em todas as economias do mundo, inclusive aqui no Brasil. Como dito por Paulo Sandron, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas:
“a economia americana é a maior do mundo. Praticamente todas as economias estão articuladas com ela, seja no plano financeiro ou no comércio exterior. Se acontece alguma coisa com os EUA, nos termos de uma grande recessão, repercute e influencia todo o mundo. No caso brasileiro também. Nós temos nos EUA um dos maiores parceiros comerciais, embora as articulações financeiras sejam um pouco menores. Sob esse aspecto, já estamos sendo afetados pela crise”
. Os mais afetados são particulares e as empresas que realizaram diversos contratos tendo como indexador a moeda norte americana.Até mesmo o setor público está sendo afetado com essa brusca variação no mercado,(redução do PAC)[1].Como o dólar subiu exageradamente nas últimas semanas, conseqüentemente esses contratos sofreram abruptas e extraordinárias alterações em seus valores, tornando-se em alguns casos em dívidas que o devedor não terá como adimplir.
Vários estão sendo os pedidos de revisão contratual, com base na teoria da imprevisão, para que sejam revistos esses valores, e conseqüentemente reajustados de maneira eqüitativa, para que possam ser pagos. No entanto,ainda há uma certa relutância em fazer uso dessa ferramenta de exceção,quando o segmento em questão é a economia. Estas variantes de oscilação na economia seria inerente da própria essência da economia, muito mais com a globalização econômica.
Os contratantes que no momento de manifestarem suas vontades, acordam que irão ter como base indexadora algum índice suscetível de flutuação, não poderia posteriormente, alegar um evento imprevisto, evento que no dizer de Silvio de Salvo Venosa ”a imprevisão deve ser um fenômeno global, que atinja a sociedade em geral, um segmento palpável de toda essa sociedade. É a guerra, a revolução, o golpe de Estado, totalmente imprevistos(Venosa 2007;p.430),veja que o insigne douto faz menção a um segmento palpável,desse modo não cabe dizer que a economia não possa figurar no rol dos eventos imprevisíveis e extraordinários,como no caso da crise Norte Americana. Sendo assim, esses contratos seriam passíveis de revisão com base na teoria da imprevisão,visto o impacto extraordinário causado em virtude dessa “intempérie” no mercado econômico. E por isso o presente estudo visando um ponto que certamente irá ser afetado com a crise econômica (os contratos), traz à baila a discussão que enseja debates calorosos entre os operadores do direito e principalmente entre as empresas e particulares que têm contratos indexados a moeda americana e se viram de uma hora para outras vítimas de uma excessiva onerosidade desencadeada devido a brusca variação cambial.
2-Mudança Social
É forçoso ressaltar que a hermenêutica jurídica deve estar suscetível à análise de todo o contexto fático que paira sobre o objeto da apreciação. Se outrora vivemos a necessidade de sobreposição ao pacta sunt servanda, para assegurar a estabilidade e segurança nas relações jurídicas, hoje não mais pode ser interpretada de maneira restrita e irrefutável, visto que a sociedade contemporânea é fruto de uma profunda mudança histórica, sociológica, política e econômica.
Enfim, não mais vivemos aquele ambiente do fim do séc XVIII onde a liberdade individual era um anseio social. Hoje, estamos ansiosos para alcançar a verdadeira justiça do direito, aquele que corresponde ao direito dos justos, aquele que o constituinte erigiu como princípios fundamentais e objetivos da nossa República, e é essa nova geração de direito que devemos buscar.Anatole François,escritor francês laureado com o prêmio nobel em 1921, em sua “Crainquebille” publicada ainda no séc. XIX, tempo em que a justiça era eminentemente retributiva, asseverava: O dever do justo é garantir a cada um o que lhe cabe, ao rico a sua riqueza e ao pobre a sua pobreza”[2],preconiza ele que, haja a proporcionalidade e igualdade, cabendo a cada um responder pelo quinhão ao qual se obrigou,tanto na esfera da igualdade material quanto formal.
“A única forma de igualdade que é compatível com a liberdade tal como é compreendida pela doutrina liberal é a igualdade na liberdade, que tem como corolário a idéia de que cada um deve gozar de tanta liberdade quanto compatível com a liberdade dos outros ou,como apregoava,antevendo essa dificuldade de compatibilização, o aristocrata francês Charles-louis de Secondat,conhecido como Barão de La Brède e de Montesquieu,em seu clássico Do espírito das leis:A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem”[3]
Sendo que o limite da lei é percebido justamente no momento em que ela deixa de atender o seu fim social – o bem comum.
3.Escorço histórico: Teoria da imprevisão e o pacta sunt servanda
Aqui estão dois temas correlatos: pacta sunt servanda e rebus sic standibus. Correlatos porque, embora por trilhas antagônicas, levam ao mesmo destino, que é a garantia de um fim juridicamente protegido ou, pelo menos, almejado.O primeiro para preservar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a segurança jurídica de que os instrumentos previstos no nosso ordenamento são confiáveis.O segundo para proteger o bem comum, o equilíbrio contratual, a igualdade entre as partes e a certeza de que o interesse particular não predominará sobre o social[4].
Há mais de 2200 anos atrás, como se pode notar no código de Hamurabi já se previa a possibilidade de rever as cláusulas que condicionava o negócio quando o estado de fato fosse modificado de maneira tal que o devedor não pudesse satisfazer o seu débito sem se defasar patrimonialmente, in verbis: “se alguém tem um débito a juros e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, deverá modificar sua tábua e não pagar juros por esse ano”[5].
Na Roma antiga uma previsão semelhante já existia prescrevendo a possibilidade de revisão das bases contratuais desde que houvesse alteração das condições iniciais que formaram ao acordo de vontades.
Com o advento do individualismo e a liberdade quase absoluta pregada pela Revolução de 1789 na França, essa previsão de se rever o contrato sempre que as circunstâncias que o motivaram deixassem de figurar foi deixado um pouco de lado. Com o ideal de que o homem é livre e igual, ele poderia perfeitamente expressar sua vontade,e contratar com terceiros ao seu bel sabor, sendo assim, a cláusula rebus sic stantibus caiu em desuso, e emergiu a máxima explicitada pelo código francês de que “o contrato faz leis entre as partes”.
“O princípio do pacta sunt servanda encontra seu berço no direito romano: O princípio da força obrigatória como regra máxima tinha previsão já no direito romano, segundo o qual deveria prevalecer o pacta sunt servanda, ou seja, a força obrigatória do estipulado no pacto. Não poderia, portanto, sem qualquer razão plausível, ser o contrato revisto ou extinto, sob pena de acarretar insegurança jurídica ao sistema romano”. (TARTUCE, 2007, p. 99).
Esse princípio (autonomia da vontade) teve o seu apogeu após a Revolução Francesa, com a predominância do individualismo e a pregação de liberdade em todos os campos, inclusive no contratual. Foi sacramentado no art. 1.134 do Código Civil francês, ao estabelecer que “as convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram” (GONÇALVES, 2004, p. 20).
No Código Napoleônico, primeira grande codificação moderna, baseado nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, os contratos passaram a ser utilizados como forma de aquisição de propriedade, preponderando a autonomia da vontade.Nesse diapasão, quase cem anos depois, veio o Código alemão de 1896, destacando também a vontade como o núcleo central dos negócios jurídicos.[6] O Código Civil alemão no mesmo sentido nada mencionou sobre o circunstancialismo dos contratos, mas a jurisprudência aceitou a cláusula rebus sic stantibus, nos casos onde se vê notória injustiça, a partir da perspectiva do princípio da boa-fé. Neste contexto, o autor alemão Oertmann criou a fórmula“base do negócio” que representava uma fórmula verbal para o entendimento do teor dos contratos.A teoria da base do negócio foi ainda muito bem explicada por Karl Larenz que tentou conciliar as duas correntes alemãs e indicar uma distribuição igualitária dos riscos do negócio, a saber: a base do negócio subjetiva e a base do negócio objetiva. A primeira base consistia na visão pautada na atuação dos sujeitos relacionada às decisões significativas para a formação do negócio. A segunda base considerava apenas as decisões e circunstâncias relacionadas ao fim do negócio.[7]
Em nosso Código Civil de 1916, influenciado por esses ideais liberais e individualistas, também se privilegiava a autonomia da vontade, tendo como pressuposto a igualdade entre os contratantes.[8]
O Estado Liberal de Direito deu lugar a um Estado Social de Direito, deixando de lado o individualismo, para dar maior proteção aos interesses sociais, ante as desigualdades da época. O dirigismo estatal passou a limitar o princípio do pacta sunt servanda, de que o contrato faz lei entre as partes, como forma de restabelecer a igualdade de fato entre os contratantes.[9]
4-Mudança dos paradigmas sociais
A sociedade contemporânea possui novos paradigmas e os contratos passam a reger outros tipos de relações, uma necessidade exacerbada de consumir e contratações em massa, motivo pelo qual nossa legislação atual inova, limitando a liberdade de contratar.[10]
Para análise do presente estudo é preciso ter em mente que o direito é uma ciência além de jurídica, é sociológica, histórica, econômica e política, e como tal, deve-se adequar às evoluções da sociedade, principalmente em relação aos contratos que são negócios jurídicos que refletem em toda a coletividade.
O pacta sunt servanda passou a ser aplicado de forma contundente e irrefutável, porque era ele que melhor representava os ideais pregados pela revolução burguesa. No entanto, como o direito é uma ciência que tem como pressupostos de sua hermenêutica a análise de todos os fatores fáticos existentes, urge hoje, em nosso Estado denominado de neoliberal, uma análise com mais afinco em relação a maneira de se aplicar o pacta sunt servanda. Somente com essa análise mesmo que casuística, se poderá superar o tecnicismo e o formalismo jurídico almejando dirimir os conflitos com justiça e eqüidade.
A sociedade de hoje transformou-se, e com isso até mesmo a maneira de contratar já não é a mesma, visto que, na maioria das vezes as partes não têm a oportunidade de discutir e negociar as cláusulas. Os contratos paritários, onde ambos os contratantes tem a oportunidade de se expressarem e contratarem como bem entenderem,já está quase extinta frente a massificação dos contratos, que hoje na maioria das vezes já se encontram prontos, não permitindo que a vontade de ambos os contratantes figurem nesse contexto negocial, mais sim, uma expressão unilateral de vontade onde sempre um dos contratantes ficará a mercê da vontade do outro,e que, na maioria das vezes são grandes empresas, bancos, financeiras, empresas de leasing entre outras.
“A teoria clássica construída no período abstencionista do Estado ganhou novos princípios mitigando os excessos ocorridos em razão da idéia de voluntarismo das partes. De fato, hoje se constata que o voluntarismo era uma falácia, posto que em certas ocasiões o indivíduo necessita contratar e isso se dá, muitas vezes, de modo involuntário. Nessas circunstâncias não pode o Estado permanecer inerte sem dar proteção aos cidadãos que se vinculam contratualmente em relações eminentemente desequilibradas”.[11]
5-Aplicabilidade e Requisitos da Teoria da imprevisão
A teoria da imprevisão busca relativizar o pacta sunt servanda frente as modificações das bases objetivas do contrato, pela superveniência de algum fato que venha gravar de excessiva onerosidade uma das partes, com extrema vantagem para outra, visando dessa maneira evitar também o enriquecimento sem causa. A melhor doutrina ensina que a teoria da imprevisão se concentra na idéia contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur. Isto significa que nos contratos de duração continuada e execução diferida, o vínculo estabelecido entre os contratantes se atrela à continuidade da situação formada no momento da estipulação do negócio[12].
São pressupostos que devem estar presentes no momento da aplicação da teoria da imprevisão: 1) configuração de eventos extraordinários e imprevisíveis; 2) comprovação da onerosidade excessiva que causa a insuportabilidade do cumprimento do acordo para um dos contratantes; 3) que o contrato seja de execução continuada ou de execução diferida[13].
Prevendo a possibilidade de se intervir para revisar o contrato,Venosa assim discorre:
“A possibilidade de intervenção judicial no contrato ocorrerá quando um elemento inusitado e surpreendente, uma circunstância nova,surja no curso do contrato,colocando em situação de extrema dificuldade um dos contratantes,isto é,ocasionando uma excessiva onerosidade em sua prestação.O que se leva em conta, como se percebe,é a onerosidade superveniente.Em qualquer caso, devem ser avaliados os riscos normais do negócio.Nem sempre essa onerosidade equivalerá a um excessivo beneficio em prol do credor.Razões de ordem prática, de adequação social,fim último do direito,aconselham que o contrato nessas condições excepcionais seja resolvido,ou conduzido a níveis suportáveis de cumprimento para o devedor.(venosa 2007;p 430).”
O entendimento do mestre supra-citado enaltece que se uma situação vier expor um dos contratantes a extrema dificuldade,ou seja,que sua obrigação se torne extremamente onerosa,aconselha que o contrato seja resolvido,ou conduzido a níveis que o devedor possa arcar com o ônus.Como bem lembra o autor, nem sempre a superveniência irá gerar um excessivo beneficio em prol do credor,sendo este também requisito exigido pelo art. 478 C.C.2002,entendo, que este pressuposto se reveste de uma irrelevância prática,pois,a revisão contratual não visa prejudicar o lucro obtido pelos contratantes,e sim, que qualquer deles seja submetido à uma extrema desproporcionalidade na sua prestação,entre o momento da conclusão do contrato, e sua execução.
César Fiúza discorre sobre as várias concepções teóricas elaboradas sobre a Teoria da Imprevisão, sendo a primeira a doutrina da cláusula rebus sic standibus de origem medieval.
Fala em Teoria da Condição Implícita, obra do direito inglês, através da qual a sobrevivência do contrato pressupõe uma condição implícita de que as circunstâncias externas permanecem do mesmo modo no momento da execução[14].Essa teoria tem por escopo, preservar a imprevisão subjetiva dos contratantes,visto que,se as circunstâncias externas à qual serviram de subsídios,ou parâmetros no momento de contratarem deixar de figurar,estaria em xeque a própria manutenção do contrato.
Discorre, ainda, sobre a Teoria da Base Negocial Objetiva; quando há desequilíbrio das prestações ou quando estas se tornem grosseiramente desproporcionais, isto é, quando nem de longe ocorre a proporcionalidade aproximada das prestações, suposta pelas partes[15]. Esta teoria pode ser aplicada a qualquer tipo de imprevisão, e no caso especifico da crise norte americana,seria ela de grande aplicação prática.Sendo a economia por sua essência suscetível de variações, o entendimento é que,não se poderia cogitar de aplicação da teoria da imprevisão,até para preservar a vontade exteriorizada pelos contratantes,e a própria segurança jurídica nesse meandro negocial,porém,as operações econômico-comercias encontram no direito as formulações indispensáveis à validade e eficácia jurídicas,o que ocorre em face da relação existente entre os sistemas econômico e jurídico,cada qual com seus respectivos valores e suas racionalidades específicas,mas integrados de modo causal e determinante(Proteção do consumidor.p.37).O mencionado mestre, enaltece com circunspecção que se a excessiva desproporcionalidade,que não fora suposta pelas partes, vier desequilibrar o contrato, deve-se proceder a sua revisão,entendo que não importa o segmento em questão, seja o golpe de Estado, seja a revolução ou seja a economia,o que importa é que se houver a quebra da base negocial, o contrato não estará atendendo nem a vontade real dos contratantes,muito menos sua função social. Nos contratos,cujo, haja algum vinculo suscetível de variação como no caso da economia,contratos atrelados a moeda estrangeira,o que os contraentes prevêem está dentro de uma normalidade,ou seja,o que é previsto é a variação normal e corriqueira desses índices,e isso sim não seria pressuposto para se proceder a revisão contratual,porém,no momento em que essa variação ultrapassa os limites da normalidade,entende-se que deixaram de figurar no contexto negocial,os interesses subjetivos dos contratantes,que não detinham as características e ferramentas técnicas para prever essa mudança repentina,não sendo razoável exigir-lhes tal previsão.
6-Teoria da imprevisão no Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 inovando em relação ao Código de 1916, trouxe expressamente dispositivos versando sobre a teoria da imprevisão,a matéria veio regulada pelos artigos 478,479 e 480,onde são expressadas as regras especificas para que se possa proceder a revisão contratual.O art. 317,mesmo se encontrando em capitulo diverso no Código Civil,também regula a resolução contratual.
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
Na lição de Anísio José de Oliveira:
“Definimos a teoria da imprevisão, roupagem nova da velha cláusula, como sendo uma cláusula implícita, pois aparece em todos os contratos embora não esteja especificado expressamente em alguns deles, e que pugna para que certos acontecimentos imprevistos – acarretadores de impossibilidade subjetiva e de uma suma onerosidade para o devedor– tenham força bastante para exonera-lo das obrigações assumidas” (1991, p. 32/33).[16]
SÍLVIO RODRIGUES ensina que, “A idéia é evitar que nos contratos comutativos em que, por definição, há uma presumível equivalência de prestações, o tempo desequilibre a antiga igualdade, tornando a prestação de uma das partes excessivamente onerosa em relação à da outra”[17].
Os contratos por definição devem presumir-se equivalentes na prestação e contraprestação,deixando de coexistir essa paridade nas prestações,o exegese deverá lançar mão da teoria da imprevisão,como instrumento para que se restaure a antiga igualdade,retornando ao seu Status quo,e consequentemente a exeqüibilidade do contrato,conforme querido desde o início pelos contratantes.
O mesmo mestre ensina que;
“…o princípio da obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado perante dificuldades comezinhas de cumprimento, por fatores externos perfeitamente previsíveis. (…) A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade contratual é somente a que refoge totalmente às possibilidades de previsibilidade.”[18]
Veja-se,não estamos falando em rever todo e qualquer contrato,têm-se que ter em mente que o contrato preencha os requisitos do artigo 478,quais sejam,a imprevisibilidade de fato superveniente e extraordinário,causando excessiva onerosidade para uma das partes,e extrema vantagem a outra.Esses requisitos exigidos pelo art. 478.Analisando-se com lisura,observa-se que são cumulativos,dificultando assim,a sua aplicação,ainda mais que,o interessado deve provar que o fato é extraordinário,não era previsto,e que esses fatos propiciaram uma extrema vantagem para a outra parte,gravando-o de uma excessiva onerosidade..O art. 317 do C.C.2002,é um pouco menos inflexível,exigindo somente o motivo imprevisível,e uma manisfesta desproporção no valor da prestação devida e o momento de sua execução.Acredito que,o legislador quis fazer uma distinção entre dois tipos de imprevisão,uma objetiva no art 478,e uma subjetiva no art.317.Objetiva que se encontra no art. 478 C.C,seria aquela em que os elementos técnicos necessários para se prever esses acontecimentos,não se encontram na órbita subjetiva dos contratantes,seria uma previsão realizada por determinados organismos(Estados,organizações,especialistas entre outros).Seria subjetiva(art. 317),aquela que encontra os seus pressupostos,no íntimo dos contratantes,ou seja,fruto dos objetivos exteriorizados no exato momento de contratarem,seria o fim último almejado pelos contratantes.
CÁIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA pondera que “Admitindo-se que os contratantes, ao celebrarem a avença, tiveram em vista o ambiente econômico contemporâneo, e previram razoavelmente para o futuro, o contrato tem de ser cumprido, ainda que não proporcione às partes o benefício esperado.”[19]
O mestre supra citado ressalta com magnitude que,tem que haver razoabilidade na previsão para o futuro,e o cenário econômico mesmo sendo de uma inconstância mensurável,obteve do legislador o aval para que figurasse como parâmetro objetivo na fixação da correção dos valores pactuados(art. 487).,agora,pergunta-se,qual seria o critério para se determinar com razoabilidade essa previsão? O Código Civil de 2002,determinou como requisito da resolução a ocorrência de fato imprevisível, o qual configura conceito vago e subjetivo, que pode sofrer variações, dependendo da pessoa e do seu grau de instrução e informação,e é esse o entendimento que deve ser preconizado,uma vez que não é razoável exigir a previsibilidade de um fato de quem não teria o perfil subjetivo para tal entendimento,logo,não se deve imputá-lo do ônus superveniente que veio pairar sobre o negócio.Deve-se analisar as situações existentes quando da celebração do contrato,e se ela for rompida posteriormente,ou seja,quando haver a quebra da base negocial,deve-se rever o contrato restabelecendo-se sempre que possível o equilíbrio contratual,e o mestre Silvio de Salvo Venosa preconiza essa nova tendência’’a nova concepção do contrato,suas novas funções desempenhadas na sociedade e nos Estados modernos exigem,por exceção,uma atenuação do principio geral(Venosa 2007;p.429…),qual seja,o pacta sunt servanda.Desse modo a imprevisão subjetiva seria a que melhor atende ao real objetivo do contrato,resultado da livre manifestação dos contratantes.
Outro artigo que precisa ser observado ao estudar a teoria da imprevisão é o artigo 480, que dispõe que se no contrato as obrigações corresponderem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou alterada a forma de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.Estes dispositivos coadunam com a noção de aproveitamento do negócio jurídico ao invés de simplesmente descartá-lo em respeito ao princípio da conservação dos contratos que busca preservar o negócio quando há a possibilidade de seu rompimento. O magistrado deve conservar o contrato já em execução, podendo modificá-lo, segundo critérios de eqüidade e razoabilidade, de modo a torná-lo menos oneroso para uma das partes[20].
Essa relativização do pacta sunt servanda,encontra apoio também nas normas de caráter geral,instituídas pelo legislador,que muito feliz,inseriu-as como forma de atualizar o diploma civil,que sempre deve atuar em consonância com a sociedade. O legislador prevendo a possibilidade de relativização de alguns dispositivos frente a alguns casos concretos, e em virtude da própria dinâmica social,optou por inserir algumas normas de caráter geral.“Normas gerais não estabelecem determinada conduta, carregando em si um conteúdo genérico no qual se encontra um ponto de referência para o hermenêuta.O legislador, então, ao estabelecer a cláusula geral, deixa de adotar conceitos rígidos, e, no dizer de Humberto Theodoro, não se vincula a formas acabadas. As normas, assim, tornam-se dinâmicas e aptas a atender à realidade social em que se encontram insertas. Nesse contexto, apresentam-se a função social dos contratos e a boa-fé objetiva como cláusulas gerais ou abertas, permitindo uma melhor adequação ao caso concreto. É evidente, portanto, que é dado ao Juiz certo grau de subjetivismo, posto que ausente o elemento concreto para aferição da ausência da função social do contrato ou da boa-fé objetiva”.[21]
Desse modo há a necessidade de uma releitura das posições jurídicas ocupadas pelos contratantes.Torna-se incompatível analisar o Código Civil de 2002 com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações do séc. XVIII, menosprezando o ser, enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito[22].
7-A função Social do contrato como forma de relativizar o pacta sunt servanda
Vários são os elementos que servem para auxiliar a Teoria da imprevisão,frente a regra do pacta sunt servanda,e que devem ser aplicados inclusive nos contratos atingidos por crises econômicas como esta.O contrato como forma de gerar e circular riquezas,é inegável o seu papel na sociedade,desempenhando uma função nitidamente social de interesse geral,além do mais princípios como a eqüidade contratual,boa fé,ética,dentre outros ajudam a fornecer os subsídios necessários para se relativizar algumas regras acordadas entre as partes(pacta sunt servanda),visando sempre o interesse da coletividade.
A expressão “função social do contrato” está intimamente ligada ao ponto de equilíbrio que o negócio celebrado deve atingir e ao que se denomina princípio da eqüidade contratual. Dessa forma, um contrato que traz onerosidade a uma das partes – tida como hipossuficiente e/ou vulnerável –, não está cumprindo o seu papel sociológico, necessitando de revisão pelo órgão judicante.[23]
No entanto não se pode entender a função social do contrato como exterminadora da autonomia da vontade, mas a determinação de que esta deve ser empregada nos termos dos interesses coletivos.[24]
Esse entendimento foi adotado na “Jornada de Direito Civil”,cuja ementa fica adiante transcrita:
Jornada STJ 23: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.[25]
“A função social,que significa a prevalência do interesse público sobre o privado,bem como a magnitude do proveito coletivo em detrimento do meramente individual,é fenômeno massivo que,modernamente,inspira todo o nosso ordenamento jurídico,rompendo com o padrão retributivo contido no brocardo suun cuique tribuere-“dar a cada um o seu”,e tentando fundar as bases de uma justiça de natureza mais distributiva;nos termos concebidos por Hegel,promove a inclusão social dos excluídos e,nesse mister,diligencia para o cumprimento de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.[26]
“A função social do contrato exprime a necessária harmonização dos interesses privativos dos contraentes com os interesses de toda a coletividade;em outras palavras,a compatibilização do príncipio da liberdade com o da igualdade,vez que,para o liberal,o principal é a expansão da personalidade individual e,para o igualitário,é o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto,mesmo que ao custo de diminuir a esfera de liberdade dos singulares”.[27]
“Dessa maneira,é de verificar-se que a função social incide sobre toda a fenomenologia jurídica,encontrando morada,também,nas relações contratuais.O novo Código civil,atento a essa miríade trazida pelos direitos de terceira geração,previu em seu art. 421,que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato,afastando,dessa forma,o individualismo jurídico arquitetado por Clóvis Beviláqua,que,nesse sentido,fora inspirado pelo Código Civil francês e,naturalmente,pelos ideais revolucionários que influenciaram sobejamente a gênese dessa lei”.[28]
“A instituição da função social dos contratos,portanto,findou a celeuma,muito mais terminológica do que propriamente doutrinária,acerca das dessemelhanças entre liberdade contratual e liberdade de contratar,vez que a liberdade contratual,que equivale á função social do contrato,é limitada objetivamente pela ordem pública e pela mais valia dos direitos e interesses coletivos sobre os eminentemente individuais,e a liberdade de contratar é a prerrogativa subjetiva,que cada contratante possui,de arbitrar sobre a viabilidade ou não de formalizar determinada contratação”.[29]
O contrato encontra-se inserido em ambiente macro no qual diversas conseqüências ocorrem mormente para aqueles que não fazem parte do contrato. Assim, nesse ambiente macro é que são tratadas as infrações à função social dos contratos.[30] Maria Helena Diniz assevera que,a liberdade de contratar não é absoluta, pois está limitada não só pela supremacia da ordem pública, que veda convenção que lhe seja contrária e aos bons costumes, de forma que a vontade dos contratantes está subordinada ao interesse coletivo, mas também pela função social do contrato, que o condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais.Consagrado está o princípio da socialidade.[31]
“Desse parcos traços depreende-se que a função social dos contratos,trazida expressamente pelo novo Código civil brasileiro,tem finalidade precípua de,mediante a humanização das relações econômicas e sociais,envidar esforços para a implementação de uma fraternidade e solidariedade sociais mais ostensivas e,dessa forma,abrir ensanchas para a inserção,não meramente formal,mas real,da nossa sociedade na geração de direitos nominados como de ‘terceira geração”.[32]
Enveredando esse entendimento têm-se que:
“O ideal insistentemente perseguido é, sem dúvida, o da justiça concreta, como adverte Miguel Reale, não em função de individualidades concebidas in abstrato, mas de pessoas consideradas no contexto de suas peculiaridades circunstanciais. Fugindo da antiga perspectiva hostil à equidade e da submissão aos princípios éticos, o novo Código confessadamente reconhece a impossibilidade da plenitude do Direito escrito, pois o que há, na verdade, na nova ótica normativa, é, sim, ‘a plenitude ético-jurídica do ordenamento’. Dessa maneira, o Código é um sistema, um conjunto harmônico de preceitos que exigem a todo instante recurso à analogia e a princípios como esse da equidade, de boa-fé, de correção”.[33]
Entretanto, a aceitação da teoria do cumprimento da função sociológica do contrato por nossos tribunais ainda se faz de maneira tímida, talvez em razão da resistência de rompimento em relação à uma teoria clássica, enraizada na jurisprudência e embasada pelo Código Civil de 1916.[34] Vimos que nos contratos de duração continuada ou de execução diferida poderá ser aplicada a teoria da imprevisão ocorrendo a relativização do princípio do pacta sunt servanda. Isso porque, em razão da mudança de paradigma do Código Civil de 2002 em relação ao Código Civil brasileiro de 1916, aplica-se ao contrato o princípio da socialidade. A sociedade deve se responsabilizar pela existência social dos seus membros e incentivar o respeito pelos direitos dos particulares, tudo isso provoca a relativização dos direitos subjetivos com o uso do princípio da função social nas relações privadas”. Diante da perspectiva de socialidade, percebe-se que o direito contratual, em face das novas realidades sócio-econômicas, precisou se adaptar e ganhar uma nova função, que, no dizer de Cláudia Lima Marques (2002, p.154)significa a realização da justiça e o equilíbrio contratual.[35]
8-CONCLUSÃO
À vista do exposto trabalho, tem-se que, o contrato não pode mais ser encarado em primeiro plano como ferramenta de realização de interesses individuais. Há algo mais por trás desse instrumento. Não importa qual o evento que desencadeou a desproporção nas prestações, que pode perfeitamente ser um evento ligada a economia, o que realmente importa é que o contrato atenda o seu fim último,qual seja;que seja cumprido;que satisfaça os interesses dos contratantes;e que circule riquezas que beneficiará todo a coletividade. Nesse entendimento todos os contratos que sofreram bruscas alterações em seus valores, em razão de estarem atrelados á moeda Norte Americana, devem ser revistos de modo que se restabeleça o quantum que realmente corresponda os interesses dos contratantes.A idéia principal dessa relativização do principio pacta sunt servanda,se limita aos casos concretos,onde se perceberá a possibilidade ou não dessa revisão,a análise casuística é quem vai dizer se esses contratos preenchem os requisitos necessários para a revisão,mantendo-se assim a segurança nas relações jurídicas.Em relação a revisão contratual, a idéia não é a resolução ou extinção desse contrato,e sim que esse prejuízo obtido por eventos não queridos pelos contraentes,sejam divididos proporcionalmente,restabelecendo-se a igualdade justa,que é pressuposto do contrato.
*sob a orientação Profa: Juliana Andrea, mestre em Direito Civil